Filhos de Bach (2015)
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As salas de cinemas recebem, com certa regularidade, obras marcadas pelo abismo entre seu discurso e sua prática. São filmes doces, munidos das melhores intenções, mas aplicadas a uma narrativa tão desajeitada que funciona como um desserviço à causa. A coprodução Brasil-Alemanha Filhos de Bach é um exemplo destes filmes: sua trama pretende defender a infância, a troca de culturas, a redenção pela arte, a amizade, a solidariedade. Mas a realização e o roteiro são tão fracos que sabotam qualquer complexidade do discurso.

Na trama, o músico alemão Marten (Edgar Selge), traumatizado pela perda de um amigo, é rejeitado agressivamente em um teste musical. Na cena seguinte, como por milagre, ele recebe uma herança preciosa: um manuscrito de Bach, perfeito para usar no teste e ser aprovado. Mas a partitura está no Brasil, e Marten é obrigado a viajar até Ouro Preto para resgatar a sua preciosidade. Lá, encontra um grupo de jovens pobres com talento para a música. Pode-se perceber que o realismo não faz parte do universo do diretor Ansgar Ahlers, que prefere transformar sua história em uma fábula social com direito a narração infantil, frases de efeito (“Ele não sabia que essa viagem mudaria a sua vida para sempre!”) e truques de montagem pueris.

A ingenuidade no uso da linguagem contamina o retrato cultural. Nosso país é visto como uma bagunça, lugar de povo cordial (entenda-se: ladrões com bom coração), de trabalhadores pobres mas sorridentes, e crianças que podem se tornar geniais se receberem a educação necessária (vinda de um alemão, é claro). Em poucas cenas, Marten já está usando um uniforme da seleção canarinho e bermudas, algo que o diretor filma com grande prazer. Esta é uma lógica de contrastes: ao contrário do caos brasileiro, a Alemanha é vista como território de pessoas psicorrígidas, impessoais e ricas.

Os estereótipos se sucedem durante toda a projeção. Temos em cena o protagonista órfão, com talento inegável para a música, o negro-sorriso, imagem um tanto preconceituosa e idealizada do pobre feliz, que torna a vida de todos mais divertida por seu bom humor (“Cândido encontra tudo!”), o delinquente que se torna uma pessoa melhor através do amor, o professor solitário que encontra no caos terceiro-mundista o calor necessário ao seu frio coração europeu... Ahlers absorveu produções igualmente formulaicas, como A Voz do Coração e Música do Coração, adaptando a estrutura para um universo infantojuvenil, próximo do realismo mágico – com direito a vilões, romances inesperados e ascensões profissionais meteóricas.

Por fim, este olhar social mágico soa desconectado da realidade. Nenhum personagem enfrenta problemas verossímeis em contextos verossímeis. Os cenários funcionam em lógica superficial de associação (favela = pobreza, castelo alemão = riqueza), mas Filhos de Bach não demonstra o menor interesse em compreender como estes locais funcionam, como estas pessoas pensam ou se sentem. Este não é um filme político sobre o encontro entre duas culturas, e sim uma fantasia apolítica sobre o encontro de dois fetiches: o do europeu civilizador e o do latino passivamente colonizado. Em pleno século XXI, algumas visões de cinema e de mundo ainda não evoluíram muito.
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