Coragem (2016)
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Coragem

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Este documentário traz uma história de exceção: Felipe de Luna, jovem brasileiro criado numa favela, se interessa pelo violoncelo e investe na carreira de músico. Ele consegue chamar a atenção de uma renomada professora romena, Diana Ligeti, que o leva para Paris na intenção de aperfeiçoar sua técnica musical. Estamos, portanto, num registro de extremos, da vida sem recursos ao imaginário romântico da capital francesa.

Coragem - FotoComo pesquisa, Coragem apresenta uma falha metodológica evidente: ele possui conclusões prontas antes de desenvolver sua hipótese, ou seja, o projeto utiliza imagens para reafirmar uma ideologia que se possuía desde o princípio. Os personagens verbalizam ideias importantes e louváveis, como o poder de transformação da música e a possibilidade de união entre as artes popular e erudita, mas a comprovação destas ideias está ausente no filme. Não se demonstra como o garoto pôde desenvolver o interesse por um instrumento tão raro em seu local de origem, ou como a música poderia eventualmente transformar a comunidade onde mora. Afinal, o violoncelo é visto como oportunidade de fuga: Felipe e Diana insistem na maravilha de sair do país e morar na Europa, enquanto a família do jovem permanece em situação desfavorecida.

Outro elemento discutível diz respeito ao ponto de vista e, mais especificamente, ao local onde se posiciona a câmera. Mais do que técnica, esta é uma questão moral, especialmente num documentário. Longe da câmera invisível de um Frederick Wiseman ou da câmera explícita e assumida de Eduardo Coutinho, o diretor Sebastião Braga faz a curiosa escolha de posicionar seu tripé no meio de uma calçada, ou a dois passos de professora e aluno conversando, ou ainda no centro da sala de estar onde mãe e filho conversam.

O resultado é a impressão de artificialidade: estamos colados aos personagens, que conversam entre si como se não percebessem a câmera logo ao lado. Os diálogos soam encenados para a câmera, como se a equipe tivesse sugerido o tema para que Felipe e os amigos conversassem (como no metrô, ou na fila do aeroporto). O documentário aposta em algo que François Niney chamaria de “estrutura ficcionalizante”: seus planos de conjunto muito próximos aos personagens, tentando passar despercebidos pelos mesmos, são típicos das narrativas de ficção. Os momentos em que a professora toca diretamente para a câmera na Cité de la Musique funcionam melhor, por assumirem o caráter documental e a presença da equipe diante dos entrevistados.

Coragem - FotoTecnicamente, Coragem decepciona. A captação de som direto dentro da casa de Felipe é frágil, assim como a luz estourada nos momentos externos. Quando se entrevista a mãe de Diana, a câmera treme, o foco se perde, os reflexos da equipe aparecem. É clara a falta de estrutura de produção para se aproximar do palco durante uma apresentação, ou para explorar a favela de que se fala de modo distante, sem aproximação real. O projeto transparece uma intenção humanitária apreciável, porém carece de desenvolvimento das vertentes biográfica e social. Como biografia, conhece-se pouco sobre Felipe para além da relação com a música, embora Diana ganhe um retrato um pouco mais completo.

Quanto ao contexto sociopolítico, não se olha ao redor de Felipe, não se analisa o caráter excepcional de sua história. De que forma outras pessoas como ele poderiam seguir o mesmo caminho? Que estruturas permitem a permeabilidade do tecido social? O que representa a música, além do sonho e da possibilidade de fugir da favela? Como os amigos de Felipe o veem, o que pensa a comunidade de ter um violoncelista logo ao lado? Como o garoto se sentiu na França, sendo estrangeiro? Coragem precisaria, justamente, ter a coragem de se arriscar em questões fundamentais à premissa.
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