O Que Está Por Vir (2016)
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Os trinta primeiros minutos desse drama se desenvolvem de maneira calma. Nathalie (Isabelle Huppert) é apresentada junto do marido e dos filhos pequenos numa viagem agradável. Anos mais tarde, a personagem é vista em sua rotina de professora de filosofia. A família caminha bem, assim como o trabalho. A princípio, não há conflito: Nathalie é uma mulher bem resolvida com a paixão pela filosofia e com o abandono das bandeiras políticas defendidas no passado.

O Que Está Por Vir - FotoPorém, como sugere o título, a protagonista passa a enfrentar uma série de reviravoltas. São uma, duas, três mudanças importantes em sua vida, do tipo que a maioria dos dramas trataria como uma tragédia lacrimosa. O Que Está Por Vir, no entanto, é conduzido com uma leveza impressionante. Nathalie sofre, é claro, mas a diretora Mia Hansen-Love não permite que o sofrimento tome conta da personagem, nem do filme. Assim que os olhos de Isabelle Huppert se enchem de lágrimas, a montagem corta para o dia seguinte. A diretora imagina um modo saudável de lidar com os traumas, sem evitá-los, mas sem permitir que impregnem outros domínios da vida íntima.

Huppert contribui ao projeto em tom oposto ao do perverso Elle. É impressionante a variação de registros que a atriz é capaz de apresentar. Dessa vez, a francesa está solar, com gestos calmos e corpo despojado sob os vestidos floridos e camisas largas. Huppert interpreta uma mulher de meia-idade satisfeita com suas escolhas e desprovida do olhar de dominação que os cineastas tanto gostam de extrair dela. Depois de papéis soturnos – muitos deles no mesmo ano de 2016 -, talvez o maior desafio para a veterana fosse atingir a transparência absoluta. Desafio cumprido: desde A Visitante Francesa (2012) ela não aparecia tão radiante em tela.

O Que Está Por Vir - FotoO Que Está Por Vir se desenha como um drama de personagens, mas também uma orgânica discussão filosófica. Ninguém despeja nomes de teóricos ou termos complicados ao espectador, pelo contrário: Nathalie conversa frequentemente com um aluno de tendência anarquista, Fabien (Roman Kolinka), durante encontros amigáveis. Esses diálogos questionam a incoerência entre as ideias propagadas pela professora e aquelas colocadas em prática em sua vida pessoal, além de estabelecerem um interessante duelo de gerações, opondo a crença no futuro à descrença no papel transformador da política.

O maior mérito do filme é embutir tamanha complexidade filosófica numa embalagem simples. Hansen-Love brinca com luzes naturais, sons ambientes (ruídos da rua, da natureza, de outros diálogos ao redor), músicas diegéticas e uma câmera que acompanha as caminhadas de Nathalie na casa ou na sala de aula, em coreografia precisa, porém discreta, dedicada inteiramente aos corpos e rostos. Este é um cinema ultra naturalista sem vocação militante (ou seja, algo diferente do estilo dos irmãos Dardenne, por exemplo), preferindo um olhar intimista, psicológico. Um grande filme travestido de obra singela.
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